Doctor Who, 2009 Halloween Special – The Waters of Mars


“I don’t care who you are. The Time Lord Victorious is wrong!”
Um dos momentos mais assustadores de toda a Mitologia de Doctor Who. E não é por ser um Especial de Halloween, e não é por termos aqueles monstros que produzem água em Marte (embora eles fossem cuidadosa e pacientemente perturbadores), mas porque o Doctor lentamente se torna o vilão dele mesmo. Ele quer se tornar não apenas o último Time Lord, mas o Time Lord Victorious. Um Time Lord que pode fazer o que quiser, quando quiser e como quiser, sem medo de nada porque não há ninguém que possa lhe impedir. Então ele passa dos limites. Ele passa de todos os limites – e eu devo admitir que se torna assustador. Com a interpretação pungente de David Tennant, toda a intensidade de um Doctor extremista é trazida à tela de forma coerente e convincente e, por isso, igualmente aterradora. Eu olhava para o Doctor, ao fim do episódio, com o mesmo receio e quase medo que a Capitã Adelaide Brooke olhava para ele. E eu dizia coisas como No one should have that much power, exatamente como ela dizia. Aquilo era real, aquilo era forte.
E então eu entendi porque David Tennant tinha que deixar Doctor Who.
Não pensei, inicialmente, em The Waters of Mars como um episódio tão intensamente importante dentro da Mitologia, embora um ano composto apenas de Especiais deva conter traços importantíssimos para a série como um todo nesses Especiais. De todo modo, o episódio começa mais calmo, como um companion retirado de Doctor Who, até ganhar proporções estrondosas. Primeiramente lindíssimas, depois assustadoras. Bem, estamos em uma base em Marte, mas não qualquer base. Trata-se da Bowie Base 1, ou seja, a primeira base da colonização humana em Marte! Fundada em 01 de Julho de 2058. Todos ali dentro são lendas, e todos são lendas que foram mortos em um desastre em 2059 – no dia 21 de Novembro de 2059, o dia que o Doctor chega à base. Capitã Adelaide Brooke. Morta em 2059. Official Edward Gold. Morto em 2059. Tarak Ital, médico. Morto em 2059. Enfermeiro Yuri Kerenski, morto em 2059. Steffi Ehrlich, técnica sênior, morta em 2059. Roman Groom, técnico júnior, morto em 2059. Mia Bennett, geóloga, morta em 2059.
“State your name, rank and intention”
“The Doctor. Doctor. Fun”
Desde o começo, a proposta me pareceu aterradora – porque era evidente o desastre grandioso que estava por vir em 21 de Novembro de 2059, quando a Bowie Base 1 seria destruída. E então a Inundação começa a atacar. Primeiro no Biodomo. E a expressão de David Tennant deixava algo bem claro: ele não podia interferir, a destruição da Base em Marte era um ponto fixo no tempo. O Doctor tenta sair, mas a Capitã Adelaide não lhe deixa sair da Base, uma vez que toda a confusão aparentemente começou depois que ele apareceu por ali – e o Doctor está constantemente tentando fugir, entendemos depois, da própria tentação de fazer alguma coisa por aquelas pessoas, tentando garantir que um ponto tão importante na história da humanidade não vá ser alterado. É por isso que temos pontos fixos no tempo. Como Pompéia. E quando o Doctor se reconhece como o cara que está ali para resolver as coisas (“I don’t know. Sounds like me. The maintenance man of the Universe”) eu já devia ter me dado conta do quão perigosa era essa afirmação.
Mas eu escolhi ignorar frente ao tom descontraído com que ele disse isso.
Falemos, então, de todo o processo de transformação que levou os humanos da Bowie Base 1 a serem transformados em hospedeiros de um vírus produtor de água que almeja a chegada à Terra para que possam secá-la ou qualquer coisa assim. Frutos de uma lenda sobre os Guerreiros do Gelo, sobre o qual a Base foi construída. Os humanos transformados após serem atacados pela Inundação não chegam a dar medo, mas são perfeitamente bizarros para causar um insistente desconforto, uma sensação angustiante que mistura repulsa e temor. Não é propriamente um terror, mas um suspense autêntico e intenso. Real. A maneira como as cenas são guiadas, a trilha sonora, a tensão sempre crescente. Como os seres humanos são compostos 60% de água, nós somos os hospedeiros perfeitos para transportar o vírus, e o problema, diretamente para a Terra através da evacuação e o retorno apressado. O problema é que, como o Doctor coloca, qualquer um deles já pode estar infectado. “Water is patient, Adelaide. Water just waits. Wears down the cliff tops, the mountains. The whole of the world. Water always wins”.
Basicamente, assistir a Doctor Who é sempre uma gama de emoções muito fortes, principalmente a alta tensão. Eu gosto do humor pitoresco da série que nos proporciona momentos como o Doctor e a Capitã fugindo em cima do robô (ou as conversas sobre as bicicletas), mas em muitos momentos o grande marcador da série é a tensão, o suspense. A ideia de poder levar a infecção para a Terra, com o vírus dormente em um hospedeiro qualquer, é aterradora. Maggie não se manifestou instantaneamente. A água pode esperar. Um momento muito empolgante do episódio esteve quando o Doctor conversou diretamente com Adelaide, mostrando sua ampla importância para todo o futuro da humanidade. Cinquenta anos atrás, na invasão Dalek, Adelaide, uma criança, perdeu os pais e viu a Terra ser levada para o outro lado do Universo. Lá, ela viu, olhando pela janela, um Dalek, que a olhou de volta e a deixou partir. Assim, ela quis encontrá-lo e, de certa maneira, ela levou a humanidade às estrelas em busca daquele Dalek que a poupou. Foi a neta dela, muitos anos depois, que inspirada por ela pilotou a primeira nave na velocidade da luz e deu origem a uma nova espécie.
Tudo começou com Adelaide. Tudo começou com ela, 50 anos atrás.
“And everything starts with you, Adelaide. From fifty years ago to right here. Today”
O episódio me ganhou totalmente com tanta profundidade emocional em uma cena tocante. O quanto aquilo tudo foi inteligentemente pensado para se tornar essencialmente significativo. Também continuou muito emotivo porque o Doctor estava sofrendo por não poder interferir em um ponto fixo do tempo, por saber o que estava por acontecer e não poder impedir que acontecesse. A trilha sonora e a expressão de David nos destruíram. É todo o peso de ser um Time Lord que eu não aguentaria – e o Tenth sofre amplamente com isso! Eu quase derrubei uma lágrima comovida quando a Adelaide fez o Doctor lhe contar tudo o que sabia, sobre como ela morreria naquela Base naquele dia, e como sua neta futuramente seguiria seu legado. O quanto tudo isso era importante para o futuro da humanidade. “You wondered all your life why that Dalek spared you. I think it knew. Your death is fixed in time forever”. Por um momento eu desejei que ele salvasse a todos, mas deixasse a Bowie Base 1 explodir, para que na Terra todos acreditassem em sua morte, e então nada mudasse.
Mas eu não sabia o quanto estava errado.
E é quase engraçado (embora seja mais perturbador que engraçado), o quanto a série consegue transformar nossas crenças, dividir nossas opiniões e nos apresentar coisas tão dicotômicas em tão pouco tempo. Em um segundo eu estou desejando que eles sejam salvos. No outro eu estou detestando o Doctor por tê-los salvo. A água invadindo toda a Base e cada uma das mortes é desesperador. Ouvir os gritos, as lágrimas, os soluços, os vídeos de despedida. E o Doctor tenta ouvir tanta dor e agir com indiferença, sair e deixar acontecer, porque ele acha que é o certo a se fazer. E era o certo a se fazer. Uma gota no rosto de Roman o faz ficar para trás. Cada um que fica para trás carrega uma cena de profunda dor. Um horror. E quando o piloto que os levará de volta à Terra é atingido pela água, ele coloca a nave para se autodestruir. O que destrói toda a base e supostamente deveria matar a todos, como o Doctor sabe que aconteceria e DEVE acontecer em 21 de Novembro de 2059.
Mas o Doctor retorna.
“I’m not just a Time Lord. I’m the last of the Time Lord. They’ll never come back, not now”. Eu estava feliz em ver o Doctor se levanter, voltar para ajudá-los, porque nós estamos muito acostumados a ver isso. Nós nos habituamos a vê-lo salvando as pessoas. Nós estamos menos preparados para aceitar a concepção de “ponto fixo no tempo” do que gostamos de acreditar. O Doctor volta ágil, determinado. Impensado. E a intensidade de um Doctor forte se torna depressa a intensidade de um Doctor que não sabe o que está fazendo. Louco. Um Doctor que perdeu a noção do certo e do errado, que passa de todos os limites e se coloca em uma posição terrível de superpoder que o destrói. Ele vai longe demais. “It’s taken me all these years to realise the Laws of Time are mine, and they will obey me!” O Doctor assume uma posição perigosíssima de se sentir poderoso demais como o Último Senhor do Tempo, como se pudesse fazer qualquer coisa. Assim, o Doctor vai a extremos que ele jamais deveria ter cogitado ir.
“We’re not just fighting a flood. We’re fighting Time itself. AND I’M GONNA WIN!”
Isso é o que o Tenth se torna em seus momentos finais.
Um episódio verdadeiramente construído em cima de tensão, especialmente pelas atitudes perigosas e preocupantes finais do Doctor. O Doctor precisa ser trazido de volta à realidade. Adelaide tenta, primeiro tentando explodir toda a Base, mas depois conversando com ele quando ele leva 3 sobreviventes de volta à Terra em sua TARDIS. Foi um retorno pesado, e o Doctor estava preparado para agir como se não fosse nada demais. Mas era. Adelaide tenta devolvê-lo seu juízo dizendo coisas inteligentes como “But you can’t know that! And if my family changes the whole of history could change. The future of the human race. No one should have that much power”, mas nada adianta. Quando ele diz “For a long time I thought I was just a survivor, but I’m not. I’m the winner. That’s who I am. The Time Lord Victorious” eu percebi que ele tinha se perdido. Completamente. Que não tinha retorno para o Doctor de David Tennant. Que ele precisava ser parado.
O aterrorizante Doctor só é brevemente detido quando Adelaide se mata.
Achei de uma coragem incrível e de uma consciência maior ainda o que a Capitã fez, tornando-se uma pessoa devidamente exemplar, que estava preocupada com o futuro da humanidade mais do que qualquer coisa. Mais do que estava preocupada com ela mesma. E é preciso muita coragem para fazer o que ela fez. Para mostrar para o Doctor que ele não está certo e que não é bom estar numa posição em que você pode fazer tudo e ninguém pode te impedir. Onde não há nada que lhe pare. Ela talvez tenha conseguido. E foi só com ela que ele finalmente caiu em si, começando a se dar conta de quão longe tinha ido. Adelaide manteve seu legado como deveria. Salvou o planeta. O Doctor lidou com as consequências internas de seus atos. Percebeu seus erros. E foi dificílimo de assistir. A cara dele. As lágrimas. O desespero que chegou a ele. O Ood que o estava observando. E então o Doctor sai, novamente, em sua TARDIS. Olha aí o perigo que resulta do Doctor viajar por tanto tempo sozinho. E então pensamos: é por isso que ele precisa de um companion!
“I’ve gone too far. Is this it? My death? Is it time?”

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