O Vingador do Futuro (Total Recall, 2012)


Sabe aquele filme que você sempre tem vontade de ver de novo?
O Vingador do Futuro é um desses filmes, especialmente porque é baseado em um conto de Philip K. Dick… eu admiro bastante o autor por suas histórias escritas (e acredite, são MUITAS!), que sempre trazem o mais básico da ficção científica: o questionamento. Dick parece ter uma queda por questionar a realidade, além da própria natureza do ser humano. Então, se Douglas Quaid sempre sentiu que algo estava faltando em sua vida, com sonhos mirabolantes de um agente secreto, ele é apenas a personificação desse desejo humano de ser mais, ou ele não vive o que deveria estar vivendo?
We Can Remember it for You, Wholesale – ou o que no filme se tornou Total Recall – é uma das melhores histórias de Philip K. Dick, bem como uma de suas mais ambíguas empreitadas. Douglas Quaid, no filme, é um operário da Colônia que atravessa o planeta todos os dias, através da Queda, para trabalhar na Federação Unida da Bretanha. Toda essa questão política que não é nenhuma grande novidade hoje em dia fica em segundo plano na história, que questiona a realidade do mundo em que vivemos. Não tão amplamente como Matrix, por exemplo, mas de maneira mais limitada e concentrada em Douglas Quaid. O que ele vive… é real ou não?
A Rekall é uma fantástica empresa que promete criar e implantar memórias falsas em nossas mentes. Pessoas vão lá continuamente com a ânsia de ter seus desejos realizados com memórias vívidas de coisas que nunca aconteceram. Mas algumas coisas precisam ser notadas: primeiramente, que a química injetada no corpo e a recriação de conexões no cérebro mimetizam as experiências reais do ser humano… e onde é que percebemos o que acontece ao nosso redor? Exatamente, no cérebro. Teoricamente, uma vez que essas conexões cerebrais possam ser recriadas artificialmente, não há nenhuma diferença entre o que você viveu, e o que você acredita que viveu…
Ou que a Rekall faz você acreditar que viveu.
O que inicialmente parece um sonho – e eu não nego, eu ainda faria uma visita a uma filial da Rekall caso ela existisse de verdade, e tenho muita coisa que gostaria de viver lá – acaba se complicando porque Douglas não sabe mais se o que está vivendo é real ou não! O filme brinca conosco o tempo todo, nos fazendo acreditar ora em uma coisa ora em outra, mas esse é o intuito de Philip K. Dick: não expor nem ser incisivo quanto a nada! Lembramo-nos sempre que, exatamente como as drogas, as alucinações podem não ser reais, mas a pessoa que as têm não sabe disso porque o cérebro não consegue processar essa informação, tornando a experiência tão real quanto qualquer outra, fazendo o indivíduo acreditar nela. Então…?
Nada que Douglas Quaid acha que aconteceu, de fato aconteceu?
Por exemplo: ele sonhava com Melina porque a conhecia de sua vida anterior, ou ela está agora nessa versão porque ele sonhava com ela e é o seu subconsciente trabalhando para tornar tudo mais crível e aceitável?
Na verdade, podemos afirmar que vemos a droga entrar, e nesse momento as coisas mudam, como o cara da Rekall que muda drasticamente, a arma e os policiais que surgem do nada, e as habilidades do Doug que fazem tudo parecer muito fantasioso como parte do trabalho da empresa, não? Depois podemos até afirmar que as coisas ficam bem mais críveis, e pode parecer real, mas que vida ele está vivendo? A vida de um agente secreto que trabalhava para os dois lados… e o que foi que ele pediu para a Rekall implantar mesmo? O seu pedido na primeira parte do filme garante toda a confusão que veremos mais tarde que é justamente o que mais nos fascina na história.
E, de qualquer maneira, UMA memória foi implantada. Porque uma das duas realidades não é "real". E qual foi implantada então? A de que ele é um agente secreto ou de que ele é um simples empregado da Colônia que trabalha na FUB, casado há 7 anos? Uma das duas foi implantada de forma bem-sucedida, portanto, implantações de memória FUNCIONAM, e são perfeitamente reais, fazendo a pessoa acreditar piamente nela. Qual delas não é verdadeira? Pode, perfeitamente, ser uma ou ser a outra. Não podemos refutar a ideia de que a implantação da Rekall funciona se levarmos em consideração que, se ela não funcionou, ele sempre foi um agente que acreditava que trabalhava na FUB e era casado há 7 anos, quando na verdade não era.
Toda essa complexidade só exemplifica a ambiguidade do roteiro novamente. Ou todos esses detalhes de sua vida prévia de agente secreto duplo estão ali porque são realmente verdade e parte do passado oculto de Hauser, ou então estão ali porque Doug Quaid precisa acreditar que aquilo era realmente verdade quando deixar a Rekall – afinal, qual a graça de ter uma memória falsa implantada que você sabe que nunca aconteceu? “Mais reais do que as memórias de verdade” exige que elas sejam críveis.
O final do conto acaba sendo ainda bem mais ambíguo do que ambos os filmes (cada um bom à sua maneira, eu prefiro o atual, porque além da visita à Marte, o outro não tem tanto o espírito de Dick, especialmente no final!). O filme de 2012 tenta vender uma ideia de que ele realmente era um agente secreto, mesmo com todas as possibilidades de que não fosse, mas eu sinto falta da dúvida gritante que Philip K. Dick deixa, onde é impossível realmente chegar a uma decisão conclusiva. Mas adoro as referências ao conto, como o anúncio da Rekall usando “We can remember it for you” e o Doug no começo, ao conversar com Harry, e falar: “I would love to go to Mars”.
O que é real? Faz diferença que estejamos de fato vivendo essa vida ou que estejamos presos na Matrix, acreditando que vivemos essa vida se, para o nosso cérebro, é tudo a mesma coisa?

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