Triângulo do Medo (Triangle, 2009)


“You will come back, won’t you?”
Curioso como eu cheguei a esse filme, e é simplesmente SENSACIONAL. Ele entra facilmente para a minha lista de filmes favoritos, pela eficácia em dar uns nós nas nossas cabeças e nos fazer criar teorias atrás de teorias. Minha amiga colocou-a numa lista dela de “filmes difíceis de entender”. Meu namorado, que já tinha assistido, disse que não tinha entendido não. Por isso, nos aventuramos por ele, 4 pessoas no total. Pausamos várias vezes para discutir, o que tornou a experiência bem mais divertida, mas o filme é inteligentíssimo. Digo de antemão, embora você já deve saber disso: não é um filme fácil de entender. Mas ele faz muito sentido e merece um tempo de dedicação. Com bons cenários e uma direção excelente, o filme brinca com um loop infinito enquanto Jess tenta desesperadamente mudar o rumo dos acontecimentos para que possa voltar para casa e salvar o seu filho. Embora toda a confusão e os nós na cabeça, você vai ver que o filme fica incrivelmente mais fácil de ser compreendido assim que você conhece a história de Sísifo, da Mitologia.
Então aqui vai um resumo…
Sísifo era filho do deus grego Aeolus que, depois de ter matado o seu irmão, ganhou o castigo eterno de empurrar uma grande pedra montanha acima, apenas para que ela rolasse novamente para baixo. Eternamente foi o que Sísifo fez: empurrou a pedra montanha acima e a viu descer mais uma vez, onde ele recomeçava sua jornada de empurrá-la acima. Ele também enganou a morte – ou, nas palavras do filme, ele fez à Morte uma promessa que não cumpriu. Essas três informações sobre Sísifo (ter matado o irmão, o castigo da pedra e ter enganado a morte) são fundamentais para que toda a trama de Jess faça todo o sentido possível, em um interessante e profundamente inteligente paralelo criado pelo roteiro. Também o interessante é que a história de Sísifo É MENCIONADA NO FILME, mais de uma vez, embora de forma meio despretensiosa, para que não seja tão evidente desde o começo o que está para acontecer. Enquanto todos observam um quadro daquele mesmo navio, de 1932, Downey explica a história mitológica.
Jess a ouve novamente nas próximas versões dela mesma.
“He cheated Death. No, he made a promise to Death that he didn’t keep”
A história do filme, que não deixa de ser uma releitura da história de Sísifo, apresenta-nos Jess, uma mulher com um filho autista cujos mistérios já começam em casa: o chão sujo de tinta, a campainha tocando e ninguém lá fora… então, visivelmente transtornada e sem o filho, embora não saibamos o porquê, Jess embarca no iate Triangle para um passeio. As coisas se tornam estranhas dali em diante. Triangle se vale da proposta do Triângulo das Bermudas, cujos mistérios abundantes ainda intrigam a humanidade. Ventos param subitamente, navios inteiros desaparecem, às vezes apenas a tripulação de um navio. Assim, com uma repentina parada total nos ventos e uma tempestade elétrica assustadora, Jess e os demais tripulantes do Triangle sofrem um naufrágio e ficam à deriva, até serem salvos por um misterioso navio que não está tripulado. Ali o suspense começa de forma inteligente e envolvente, inicialmente apenas como um filme de terror, depois como uma interessante ficção científica na qual as peças precisam se encaixar.
Na primeira rodada ganhamos informações importantes para o desenvolvimento. Os vultos que são vistos no misterioso navio fantasma, a mensagem que pede que eles vão ao teatro, um a um morrendo. Victor é o primeiro a morrer, não sem antes tentar estrangular Jess. Greg e os demais também morrem a acusando de ter atirado nele. E, por fim, Jess luta contra um atirador mascarado e vence, derrubando-o pela murada do barco. Por algum motivo, já conhecíamos a identidade daquele atirador! Do atirador, Jess recebe o recado: “Mate-os! Você precisa matá-los para voltar para casa!” E assim que o atirador cai na água, Jess vê o iatezinho deles, virado, os 5 sobreviventes sobre ele, gritando por ajuda. E essa Jess, que acabou de empurrar o atirador murada abaixo, é a pessoa que foi vista pelos 5 sobreviventes anteriormente. E então você sabe que você tem um filme INCRÍVEL nas mãos. Dali em diante eu já fiquei eufórico, agitado, querendo mais e mais material para fundamentar minhas teorias.
E eu adorei o filme!
Agora são duas Jess no navio, uma delas que está com os outros 4 sobreviventes que acabaram de embarcar e ela, vendo tudo nos bastidores, preenchendo algumas lacunas. Achei que ela as preencheria todas, tornando-se a mascarada da primeira linha temporal, mas ainda não. Primeiro ela mata Victor acidentalmente, justificando o buraco na parte de trás de sua cabeça, depois ela tenta mudar a história e quebrar o padrão, salvando-os todos (e ainda não é ela quem escreve com sangue no vidro do banheiro), mas eles são mortos brutalmente por uma terceira versão de Jess, a mascarada, e Sally, por exemplo, morre esfaqueada por Jess em meio a milhões de outras Sallys que morreram exatamente da mesma maneira. Os recursos usados para mostrar o quanto aquilo já aconteceu repetidas vezes é um máximo, e variam da multiplicação dos corpos de Sally aos bilhetes escritos por Jess sobre como ela tinha que matar a todos e as correntinhas com a foto de Tommy todas caídas e amontoadas. Mas assim que Sally morre, o reboot começa.
Tudo retorna.
Então Jess entende: tudo recomeça quando todos estão mortos. O que só quer dizer uma coisa: que ela precisa matar todos, para garantir que tudo recomece, e então impedi-los de subir no barco! Razoavelmente simples e compreensível. Assim ela se torna a Jess mascarada e, conceitos virados, agora torcemos por ela, queremos que ela consiga matar a primeira Jess, embora tudo se encaminhe exatamente como a primeira rodada, mas de outro ponto de vista. Cada cena é um engasgo, um comentário guardado e um grito contido. Um suspense verdadeiramente eletrizante. Por si só, sem entender toda a grandiosidade da simbologia do filme, eu já o teria adorado, por trazer um mistério no Triângulo das Bermudas, a proposta de um loop infinito e a linha temporal assumindo uma postura cíclica perturbadora. Mas o ciclo é muito maior do que pensamos inicialmente. Mascarada, caindo do barco, Jess acaba na praia, e volta correndo para casa, encontrando-a em algum momento antes do começo do filme e, no máximo, durante suas primeiras cenas.
Quando ela corria pela rua, eu só soube dizer: “A campainha”
Genial dali em diante, ainda mais do que o resto. Jess é quem assusta Tommy, o que acaba com ele derrubando a tinta no chão. A Jess de dentro de casa, inclusive, é terrível gritando e batendo em Tommy pela sujeira. A campainha é a Jess de fora quem toca. E Jess finalmente consegue terminar sua tarefa de matar todo mundo quando mata ela mesma no quarto, o que só pode ser traumatizante para o filho. E então ela foge com ele, no carro, acreditando que ela finalmente quebrou aquele ciclo, finalmente ela pode recomeçar, finalmente Tommy e ela estão a salvo. Até que um pássaro bata no vidro do carro e morra. Até que Tommy atormentado a force a parar o carro. E quando ela joga o corpo do pássaro, temos inúmeros mais pássaros ali… o que só mostra que até aquilo faz parte de todo o ciclo que ela ainda não conseguiu quebrar. Ali o filme merecia palmas, muitas palmas. E então Jess causa um acidente, Tommy e ela estão caídos, mortos, e outra versão dela está de pé, olhando tudo, com o taxista esperando por ela.
O que eu acho o toque mais GENIAL de todo o filme!
O ciclo se fecha, por fim. Inteligentemente, justificando EXATAMENTE a história completa de Sísifo. Assim como Sísifo matou o irmão, é a culpa por ter matado Tommy que prende Jess nesse ciclo eterno. O castigo de Sísifo, de empurrar a pedra montanha acima e vê-la cair para recomeçar o trabalho é o mesmo enfrentado por Jess, de entrar no Triangle, naufragar, passar pelas três versões da história no navio, cair pela amurada e retornar para casa, matando o filho novamente no acidente de carro. E então recomeça, pedindo ao taxista que a leve até o cais. A pedra de Jess. O taxista, por fim, um dos toques mais inteligentes do filme, é a própria Morte, esperando por Jess. Ele diz que não há nada a fazer para salvar Tommy. Mas ela pede que ele a leve até o cais. E lembra-se como Sísifo constantemente enganou a Morte, fazendo a ela uma promessa que nunca cumpriu? Essa é Jess, sempre enganando o taxista que queria levá-la, que deixou o taxímetro ligado esperando por ela, e ela fez a ele uma promessa, a promessa de que voltaria. A promessa à Morte que ela nunca cumpriu.
Então ela embarca no Triangle. Transtornada.
E agora nós sabemos o porquê.

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Comentários

  1. Eu só queria saber como aquela Jess com um corte no rosto que mata o Downey a facadas aparece ali !!! ???

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  2. Essa Jess provavelmente é a 2° Jess, que chega na 2° onda, pois a 1° Jess ameaça ela de atirar, mas deixa ela fugir.

    Não mostra o que ocorre com ela, mas depois ela vem com a mascarada que toma tiro de raspão.

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