Vivo ou Morto: Um Mistério Knives Out (Wake Up Dead Man: A Knives Out Mystery, 2025)

“This was dressed as a miracle. It's just a murder, and I solve murders”

Benoit Blanc está de volta… MAS ESSE FILME É DO REVERENDO JUD! Escrito e dirigido por Rian Johnson, “Vivo ou Morto” é o terceiro filme na série de investigações protagonizadas pelo grande detetive Benoit Blanc – antecedido por “Entre Facas e Segredos”, de 2019, e “Glass Onion”, de 2022. O filme foi lançado no Festival Internacional de Cinema de Toronto em 06 de setembro de 2025, recebeu um lançamento limitado no cinema em novembro e, no dia 12 de dezembro, fez sua estreia na Netflix. A série que atende atualmente pelo título do primeiro filme em inglês, “Knives Out”, tem inspirações em grandes obras da literatura, como as de Agatha Christie e Sir Conan Doyle, além de um carisma gigantesco e uma linguagem moderna, divertida e inteligente.

Cada filme é uma deliciosa experiência!

Daniel Craig retorna ao papel que, ao invés de “Knives Out”, deveria dar nome à franquia – “A Benoit Blanc Mystery” soa muito bem e funciona melhor em traduções! –, e ele está excelente como o detetive, assim como estava nos filmes anteriores, mas é inegável que ele compartilha o protagonismo com Josh O’Connor… eu chegaria a dizer que ele cede o protagonismo a Josh O’Connor, que brilha no papel do Reverendo Jud Duplenticy, um antigo lutador de boxe que matou um homem no ringue, encontrou refúgio na igreja e se tornou um excelente e verdadeiro sacerdote, agora enviado para uma cidadezinha pequena, cheia de mistérios, um grupo de “fiéis” suspeito e um assassinato misterioso… mais do que isso, um crime considerado impossível.

O elenco é completado por nomes como o de Glenn Close, que interpreta Martha Delacroix, a pessoa por trás de toda a organização, finanças e arquivos da igreja, a fiel mais antiga que ainda está ali; Jeremy Renner como o Dr. Nat Sharp, um médico que acabou de ser abandonado pela esposa a quem dedicava sua vida; Kerry Washington como Vera Draven, uma advogada que foi obrigada a criar um filme que não era seu, Cy Draven, interpretado por Daryl McCormack; Andrew Scott como Lee Ross, um autor de ficção de sucesso no passado, mas em crise desde que chegara na cidade e nunca partira; Thomas Haden Church como Samson Holt, o caseiro e único homem bondoso dentre os fiéis; Cailee Spaeny como Simone Vivane, antiga violoncelista à espera de um milagre…

Todos esses são os suspeitos pelo assassinato do Monsenhor Jefferson Wicks, o homem desprezível interpretado por Josh Brolin e cuja morte é investigada por Benoit Blanc, bem como por Geraldine Scott, uma chefe de polícia interpretada por Mila Kunis. O filme é conduzido, em sua maior parte, pelo olhar do Reverendo Jud, que é enviado para a Igreja da Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, um local onde o padre responsável não consegue (ou não quer) aumentar o seu “rebanho”. Não é difícil de entender o porquê, e Jud não concorda com seus métodos… a não ser por um grupo estranho e assíduo de fiéis, qualquer nova pessoa é exposta e escorraçada em sermões repletos de conservadorismo que vê o mundo e as pessoas como algo a ser combatido e não salvo.

É absurdamente distante da mensagem de Cristo e Jud sabe disso…

Gosto de como, embora não seja necessariamente o foco do filme, há uma crítica muito clara envolvida ali e ironicamente exacerbada pela figura de Cy, um aspirante a político, quando ele descobre que pode usar o Monsenhor Wicks para uma ascensão – com seu discurso agressivo, preconceituoso e excludente, Cy pode torná-lo presidente! Infelizmente, é o mundo no qual vivemos. O contraponto entre a perversidade não-exclusiva da ficção de Wicks e alguém que de fato segue a mensagem da palavra de Deus, que é o caso de Jud, é um ponto alto do filme, e eu gosto da imperfeição proposital de Jud que lhe dá camadas, o torna real e o faz gostável… não é porque ele é o Josh O’Connor que ele é apaixonante: ele é um personagem fascinante em muitos sentidos!

Sinto que Benoit Blanc sente o mesmo. Ele chega à igreja sem avisar e sem contar quem é, talvez porque ele quisesse dar uma olhada no homem que está sendo acusado de um assassinato – é “fácil demais” acusar Jud de ser o responsável pela morte de Wicks quando todos sabem que ele não concordava com como ele liderava aquela igreja e aqueles fiéis e jurara “se livrar” dele ou algo assim, mas Benoit Blanc sabe, desde sempre, que não foi ele… ele sabe reconhecer os sinais. Mas ele precisa do Reverendo Jud ao seu lado: eles têm um caso de assassinato a resolver juntos para que sua inocência seja provada, e eu gosto de ter a certeza de que a cada momento o filme vai me surpreender com uma nova informação e, eventualmente, desvendar todo o mistério…

Que remonta à época da “vadia safada”, inclusive, de anos antes.

Assim como aconteceu em “Entre Facas e Segredos” e “Glass Onion”, o filme tem um senso de humor fantástico no qual Josh O’Connor embarca com perfeição, e isso só faz com que eu goste mais ainda do seu personagem e da sua atuação… ele entrega maravilhosamente a comédia que não é caricaturada, e dança brilhantemente entre diferentes momentos da trama, que envolvem culpa, preocupação, tensão… eu gosto da construção do personagem que é um padre e um boxeador, de impulsos que o tornam mais humano e mais sincero, e de como ele alcança aqueles momentos de dramaticidade com maestria, como quando um telefonema com Louise faz com que ele se lembre de seu propósito e das coisas em que acredita. Ele é um personagem complexo e, ainda assim, claro.

É o clássico mistério de “Quem matou?” que adoramos em Sherlock Holmes, adoramos em Hercule Poirot e adoramos em Benoit Blanc… analisamos os passos de cada suspeito, procuramos motivos e evidências e, em algum momento, começamos a desenhar teorias que parecem fazer sentido – algumas que são provadas verdadeiras, outras que se desfazem no meio do roteiro, que encontra seu jeito de nos surpreender mesmo quando achamos que “entendemos tudo”. Somos levados a acreditar, por exemplo, que o Monsenhor Wicks forjara a própria morte, e embora haja mesmo um tranquilizante na bebida, uma “ressurreição” e a Pedra de Lázaro sendo movida de maneira dramática, não era o próprio Wicks que estava por trás de toda a encenação…

Benoit Blanc tem a chance de brilhar, porque em todos os casos ele anseia pelo momento em que ele reúne todo mundo para contar quem matou e como o fez, mas ele deixa a palavra a outra pessoa dessa vez… ele tem seu momento, quando interrompe o Reverendo Jud tocando as primeiras notas de “The Phantom of the Opera” no órgão ou performando o Monsenhor Wicks no púlpito onde ele fazia suas homilias, mas ele é inspirado por um ato de generosidade inocente e genuíno de Jud anteriormente e o segue, deixando que a responsável por tudo conte a sua própria história sem a expor na frente de todos… e ela o faz em seu leito de morte como uma confissão ao verdadeiro padre, trazendo à tona respostas sobre a “vadia safada” e a Maçã de Eva.

“Vivo ou Morto: Um Mistério Knives Out” utiliza elementos clássicos do gênero e uma linguagem conhecida do público para contar uma história nova, envolvente e intrigante, com a sensação de catarse garantida não apenas pela resolução do caso, mas também pelo quê de deboche em Jud e Benoit Blanc quando Cy tenta colocar as mãos na Maçã de Eva… a fortuna que, de alguma forma, foi a responsável por isso tudo e também por libertar uma cidadezinha das mãos opressoras de um padre desprezível. É um filme divertido, inteligente e ocasionalmente surpreendente que evidencia o que foi conquistado pelos filmes anteriores e que é um grande elogio que eu tenho à franquia: o fato de ela ter sua própria identidade, mesmo seguindo a estrutura clássica do gênero.

Amo essa franquia!

 

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