O Agente Secreto (2025)
Escrito e
dirigido por Kleber Mendonça Filho e protagonizado por Wagner Moura, “O Agente Secreto” é o mais novo filme
brasileiro que tem chamado a atenção em premiações internacionais… tendo feito
sua estreia no Festival de Cannes, em 18 de maio de 2025, o filme recebeu
prêmios como o de Interpretação Masculina e Melhor Diretor, e desde então tem
feito um bom caminho por festivais, e foi escolhido para nos representar no
próximo Oscar. O filme chegou aos cinemas brasileiros no dia 06 de novembro de
2025, e é uma grande experiência cinematográfica, que nos leva a Recife em
1977, época em que o país ainda vivia o pesadelo da Ditadura Militar, e conta a
história de um ex-professor universitário que está sendo perseguido pelo
governo, por empresários e por matadores de aluguel.
O filme vai
além do que eu jamais imaginaria, e é um quebra-cabeças inicialmente confuso –
e entendemos eventualmente que é propositalmente assim –, cujas peças começam a
se encaixar de verdade apenas na reta
final de sua segunda parte, e então somos perfeitamente atingidos por um
sentimento de catarse que entra em conflito com o sentimento de realidade que nos diz que não tem como aquilo tudo acabar bem… não
é uma cinebiografia, como “Ainda Estou
Aqui” o é de Eunice Paiva, e a liberdade criativa experimentada por “O Agente Secreto” nos entrega
inusitadas peculiaridades que tornam a obra única e marcante. É uma obra de
ficção, ao mesmo tempo em que também é um recorte duramente real de uma
história que vivemos no passado, e que talvez ainda vivamos de alguma maneira.
As marcas seguem aqui… o fantasma das mesmas
ameaças também.
Wagner Moura
é magnético. Ele dá vida a um personagem que inicialmente chamamos de
“Marcelo”, e que aos poucos vamos descobrindo como “Armando”, e a trama permite
que a sua atuação abranja diferentes facetas e níveis de emoção e conexão com o
espectador. São caracterizações distintas, “máscaras” que precisam ser
vestidas, e tais máscaras descartadas
no momento em que ele está falando com “Elza”, em uma conversa que fica
registrada em uma fita para a posteridade, entregam algumas das melhores cenas…
a beleza do trabalho de Wagner Moura está na sutileza e, ainda assim, na
clareza com que seus verdadeiros sentimentos vêm à tona quando ele fala sobre o
que acontecera em 1974, quando ele descobre o que está acontecendo agora e
quando ele se pergunta se vai ter tempo
de fugir…
Além de
Wagner Moura, temos outros grandes nomes no elenco de “O Agente Secreto”. Maria Fernanda Cândido, por exemplo, dá vida a
Elza, a mulher que pretende ajudar Armando a escapar; Tânia Maria dá vida à
Dona Sebastiana, que brilha em todo momento em que está em cena; Carlos
Francisco vive Alexandre, o sogro de Armando e responsável por cuidar de seu
filho quando não é seguro que ele esteja com o pai. Cito, ainda: Hermila Guedes
como Cláudia, Robério Diógenes como Euclides, Gabriel Leone como Bobbi, Roney
Villela como Augusto, Alice Carvalho como Fátima, Isabél Zuaa como Tereza
Vitória, Licínio Januário como Antonio, Thomás Aquino como Arlindo, Igor de
Araújo como Sergio, João Vitor Silva como Haroldo, Kaiony Venâncio como Vilmar,
Suzy Lopes como Carmem e Buda Lira como Anízio.
Após uma
espécie de prólogo que causa
desconforto e estranheza, bem como aquela tensão típica de qualquer contato com a polícia na época da Ditadura
Militar, o filme se divide em três partes. A primeira delas, intitulada “O Pesadelo do Menino”, nos apresenta ao
personagem principal ainda em seu “disfarce” como Marcelo, ainda que com
sinceridade ao lado de Dona Sebastiana, Alexandre e Fernando. Já a segunda
parte, “Institutos de Identificação”,
engloba toda a parte principal do filme, desvendando mistérios, colocando as
peças em seus lugares e nos conduzindo ao clímax e à conclusão. Por fim, a
terceira e última parte, “Transfusão de
Sangue”, é onde toda a narrativa deságua… é o desfecho da história de
Armando e suas consequências e marcas no futuro.
Retratar o
período histórico da Ditadura Militar é um desafio e uma necessidade. Em “Ainda Estou Aqui”, se falou muito sobre
a necessidade de não deixar que nossa
história seja esquecida, para que ela não se repita. Ambientar “O Agente Secreto” no Recife em 1977
permite um olhar que muitas vezes é negligenciado pela mídia, e ainda que ele
possa parecer inicialmente um recorte específico, ele é um caso de exploração
do macro através do micro. É a perseguição a uma universidade e seus projetos,
a um coordenador de departamento “cabeludo”, ao fantasma do “comunismo”… é o
que o conservadorismo e a intolerância sempre pregaram, e é ingenuidade não
perceber o quanto isso afetou toda uma nação – e como ainda sentimos os efeitos disso.
Por mais dolorosa
e angustiante que seja, a sequência que se propõe a “nos contar quem é Armando”
é a melhor do filme. Funciona como um soco no estômago, e conseguimos ver com
clareza por que as pessoas no poder
naquela época perseguiriam alguém como o Armando. Não é necessariamente porque
ele fosse uma ameaça, mas porque ousou pensar e defender o que acreditava,
porque ousou se opor ao tratamento desumano e humilhante dispensado a ele e à
esposa por pessoas que se sentiam superiores, porque ousou patentear uma
pesquisa sua ou não se submeter, e então ele foi tratado como “subversivo”. A
cena da briga no restaurante e da reunião, ambas em 1974, conferem à narração
de Armando em 1977 para Elza um peso terrível.
E, como já
disse, Wagner Moura brilha aqui.
Como não
podia ser diferente, “O Agente Secreto”
é um filme melancólico. Com quase inesperados momentos de risadas, sim, porque
a vida é mesmo essa junção de momentos,
o filme tem aquele gosto amargo típico do tema. A melancolia encontra uma
brecha para a beleza em uma conclusão que é um salto temporal, de 1977 até os
dias de hoje. Assistimos a uma perseguição seguida de mortes sangrentas quando
um matador de aluguel busca Armando
no seu local de trabalho, no dia em que Alexandre levara ao genro uma carta e
um desenho do filho, e descobrimos por uma matéria de jornal o fim de Armando… ele não conseguiu sair de Recife a tempo.
Agora, no entanto, sua história é relembrada e parcialmente devolvida a um
filho que não se lembra do pai.
“O Agente Secreto” é amplo, e repleto de
espaços e motivos para reflexão. Sinto que é o tipo de filme do qual tiramos mais dele quanto mais pensamos
a respeito. Há aquele sentimento de comunidade e de proteção mútua em um
pequeno refúgio que é criado para pessoas que, por um motivo ou outro, precisam
se esconder. Há a necessidade de passar despercebido e viver uma vida alheia e
irreal para não ser perseguido por ser quem é. Há a perseguição e repressão
política inerente à época. Há o medo contínuo de ser encontrado e a esperança de conseguir escapar. Há uma ideia de
luta, de resistência, de vida e de legado. É um filme rico e primordial e
sensivelmente humano sobre vidas que foram e são arruinadas pela intolerância,
ainda presente em nossa sociedade.
É um
daqueles filmes a ser não apenas assistido… mas divulgado, comentado,
discutido.
Pensado.
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