Moulin Rouge! (2001)

“The greatest thing you'll ever learn is just to love and be loved in return”

Dirigido por Baz Luhrmann e protagonizado por Nicole Kidman e Ewan McGregor, “Moulin Rouge!” é um daqueles filmes que eu chamo de “musicais da minha vida”. Profundamente emocionante e com uma trilha sonora espetacular espetacular, o filme é uma obra tão rica, envolvente e apaixonante que, a cada vez que assisto, descubro novos detalhes e motivos para amá-lo – acabei de revê-lo, inclusive, e chorei como se fosse a primeira vez. Gosto do tom que mistura algo que beira o absurdamente caótico com uma história de amor quase impossível e um drama arrebatador. Lançado em maio de 2001 no Festival de Cannes daquele ano e, logo depois, nos cinemas de todo o mundo, o filme conquistou crítica e público, tornando-se um ícone da cultura pop.

“Moulin Rouge!” é bastante teatral e, consequentemente, exagerado, e esse é um artifício usado para contar a história. Com maestria, o filme nos conduz pelas sensações propostas, da euforia colorida, barulhenta e caótica do Moulin Rouge à sedução em diferentes tons do elefante e, ainda, ao romance secreto e aconchegante no quarto onde o poeta escreve suas histórias e dá vida às suas ideias e às suas paixões. As influências que incluem as danças de cabaré, o próprio teatro musical e as óperas clássicas constroem um filme que é visual e musicalmente riquíssimo, com um quê de anacronismo proporcionado, por sua vez, pelo conceito musical que utiliza músicas de diferentes épocas e diferentes artistas para dar corpo à sua trama.

Christian, o jovem poeta sonhador que ainda não conhece o amor e que acabou de chegar à Paris na virada do século XX, convence um grupo de boêmios de seu talento com “The Sound of Music”, a música-título de “A Noviça Rebelde”; Satine, a cortesã mais bela do famigerado Moulin Rouge, por sua vez, é apresentada ao som de um mash-up de “Diamonds Are a Girl’s Best Friend”, de Marilyn Monroe, e “Material Girl”, da Madonna. A trilha sonora ainda conta com canções como “Your Song”, de Elton John, que se torna tanto uma declaração de amor quanto um lema, “One Day I’ll Fly Away”, de Randy Crawford, “All You Need is Love”, dos Beatles, “Heroes” e “Nature Boy”, do David Bowie, “Roxanne”, do The Police, e a original “Come What May”.

O romance entre Satine e Christian surge de uma pequena confusão: o novo grupo de amigos do poeta o leva ao Moulin Rouge para que ele possa vender a sua arte como o mais novo escritor dos boêmios, enquanto o dono do cabaré aguarda pelo investimento de um duque, a quem Satine deve seduzir em troca de realizar o seu sonho de se tornar uma atriz de verdade. Quando as identidades são confundidas, Satine termina no quarto com Christian em uma das cenas mais hilárias do filme – a maneira como o texto traz diferentes interpretações para a poesia e para o sexo é espetacular! –, e quando ela finalmente descobre que ele não é o duque com quem deveria passar a noite já é tarde demais… ela está encantada por suas palavras e, quiçá, também por ele?

Enrolar o Duque de Monroth é um trabalho contínuo e duradouro que se inicia naquela mesma noite, e os amigos boêmios de Christian e Zidler, o dono do Moulin Rouge, impedem que um completo desastre aconteça no momento em que o Duque flagra Satine com Christian no que nem era um momento íntimo, mas podia parecer ser… e, em um improviso divertido e com uma metalinguagem fantástica, Christian e os demais precisam elaborar toda a trama do espetáculo “Spectacular Spectacular”, a história de uma cortesã hindu que se apaixona por um pobre tocador de cítara e que vive com ele um romance proibido e escondido do malvado marajá que a quer para si – “So exciting, the audience will stomp and cheer! So delighting, it will run for fifty years!”.

Ainda na primeira noite, Christian retorna mais tarde para ver Satine porque ele sentiu algo que espera que ela também tenha sentido – e embora ela lhe diga que é uma cortesã e, portanto, paga para iludir os homens, talvez ela não esteja falando sério. Os dois compartilham, ali, o que eu considero tranquilamente um dos maiores atos do cinema musical, que é “Elephant Love Medley”, que conta com trechos de 10 músicas diferentes, costuradas em um único número musical que é um diálogo, uma declaração de amor e um reconhecimento… começa com “All You Need is Love” e termina chegando a “I Will Always Love You” e “Your Song”, e é toda a jornada de Christian derrubando as muralhas construídas por Satine como forma de proteção… no fim, ela acredita no amor.

O romance de Satine e Christian, a cortesã e o poeta, no entanto, está fadado a um final trágico, e não apenas por causa do inevitável ciúme do Duque, que vê Satine como sua propriedade, mas também por causa de uma doença não tão silenciosa que está gradativamente tirando a vida de Satine. Ao lado de Christian e dos boêmios, no entanto, ela descobre em seus dias finais uma alegria e uma liberdade que talvez nunca tenha sentido antes. É tão bom ver Satine se divertindo e se apaixonando cada vez mais nos dias e noites que passa ao lado de Christian, juntos criando – tanto o amor deles quanto a arte de “Spectacular Spectacular” –, mas sempre há um quê de melancolia presente porque as primeiras falas do filme, com Christian à máquina de escrever em 1900, já nos conta que Satine está morta.

É uma questão de tempo.

Coincide com o início dos ensaios do 2º Ato, “quando o romance entre a cortesã e o tocador de cítara é descoberto”, a descoberta do romance entre Satine e Christian, é claro. Quando Zidler pede que Satine se afaste do escritor e ela diz a Christian que precisa fazê-lo, ele decide escrever “uma canção secreta dos apaixonados”, algo que Satine vai poder cantar noite após noite e lembrar-se dele, independentemente do que tiver que fazer do Duque… será a grande prova do amor deles. É assim que o filme nos traz “Come What May”, a música mais forte e mais marcante do filme, uma composição original que foi pensada para “Romeo + Juliet”, mas que se tornou a marca de “Moulin Rouge!” porque tinha que ser. A música traduz e transmite o poder do sentimento de Satine e Christine.

Ao ouvi-la, é impossível negá-la ou duvidar.

Também é essa canção e um comentário maldoso que faz com que o Duque comece a desconfiar do romance secreto entre Satine e o escritor – tal qual a cortesã da peça com o tocador de cítara. E, por isso, ele barra o final no qual eles ficam juntos, porque quer que a cortesã “escolha o marajá”, embora Toulouse proteste e diga que esse final não condiz com os seus ideais boêmios. O filme entra em uma crescente de suspense, tensão e angústia que culminam em “El Tango de Roxanne”, uma cena em três frentes que, mais do que se intercalar, se complementam e se chocam: a história do argentino e da prostituta, contada no cabaré, a frustração de Christian e a tentativa de abuso do duque quando Satine percebe que ela não consegue e não quer esconder o que sente.

Sua decisão, no entanto, e sua sinceridade tão profunda e inegável quando reencontra Christian naquela noite, depois de ser salva por um amigo, é colocada em cheque no dia seguinte, quando Zidler a informa sobre a ameaça do duque: ele vai matar o escritor se ela não se afastar dele e se o final da peça não for o seu… e como Christian previra que a cortesã hindu faria com o tocador de cítara, ela mente não amá-lo para salvá-lo, mas ele não percebe a ironia da vida imitando a arte no momento em que a arte parara de imitar a vida – “A verdade é que eu sou a cortesã hindu e eu escolho o marajá. É assim que a história termina”. E, assim, tudo culmina na NOITE DE ESTREIA DE “SPECTACULAR, SPECTACULAR”, uma noite repleta das mais variadas emoções.

Como clímax, é eletrizante… a riqueza da cena de “Spectacular, Spectacular” é tangível. Visualmente, a produção no estilo das óperas clássicas é de tirar o fôlego. Emocionalmente, temos o confronto doloroso do poeta que deixou de acreditar na cortesã e a acusa, enquanto o boêmio, que nunca deixara de acreditar no amor, tenta o avisar sobre a ameaça à sua vida e como a jovem está fazendo o que faz para salvar sua vida. Musicalmente, a união entre distintas músicas já ouvidas durante o filme proporciona algo grandioso e que tem tudo a ver com conclusões de musical. A reprise de “Come What May” cumpre a função para a qual ela foi escrita: é a música secreta da cortesã e do tocador de cítara… não, é a música secreta de Satine e Christian…

E, ao ouvi-la, Christian entende. Tanta coisa presente em uma música.

Naquela noite, depois de o amor de Christian e Satine sobreviver a um duque/marajá e a uma arma de fogo que passeia por aquele palco e teatro, Satine morre nos braços do homem que ama antes que eles possam retornar ao palco para os agradecimentos finais, mas tendo conhecido o que ele julgava o mais importante: amar e ser amada de volta. A transição do sorriso de Christian à preocupação ao perceber que Satine está passando mal conduz a uma despedida dolorosa enquanto o restante do elenco de “Spectacular, Spectacular” assiste ao infortúnio dos apaixonados. O contraste entre as lágrimas de um homem tão consumido pela dor e os aplausos da plateia, inconsciente dos acontecimentos do outro lado da cortina, é de uma beleza quase perversa.

É curioso como “Moulin Rouge!” causa tantas emoções. Christian faz o que Satine pedira que ele fizesse em seus últimos momentos de vida: ele escreve a história deles, para que ele a leve sempre consigo. E quando ele coloca as últimas palavras no papel e anuncia um “Fim”, a sensação é de que não tivemos tempo para lidar com a morte de Satine… o mais irônico, no entanto, é que temos conhecimento de sua morte desde os primeiros minutos de filme, e ainda assim não estávamos preparados – quando os créditos se iniciam, estamos tão desolados quanto Christian, e eu permaneci chorando durante algum tempo enquanto as letras apareciam insistentemente na tela. É bom assistir a um filme que nos toca dessa maneira… “Moulin Rouge!” é arte.

 

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